sábado, 30 de maio de 2009

Viagem de trem - uma bela possibilidade de aproximação

Estávamos viajando de Fez para Casablanca para começar as entrevistas do projeto no Marrocos. Desta vez a viagem seria de 5 horas, o dia estava um calorão e o ar-condicionado não funcionava. E o trem é daqueles que não abre janela... foi uma super sauna de 5 horas! Mas o que eu queria mesmo contar, é que sentamos em uma cabine com outras três mulheres de lenço na cabeça e djellaba (em árabe significa atraente, e se fala chilaba. É uma veste longa, larga e de mangas compridas) falando em árabe e uma mulher mais jovem, vestida a la ocidental. Nós pedimos informação sobre Casa (como Casablanca é chamada por aqui) para esta mulher que estava vestida como ocidental, e ela foi super solícita, ajudou a gente a fazer a reserva em um hotel que escolhemos em Casa, e deu várias dicas. Quando comemos, de novo oferecemos nossa comida, e algumas mulheres aceitaram um pouco. Foi bacana! Depois, esta mulher saiu em uma estação, e logo entrou um homem e uma outra mulher jovem, que deveria ter uns 27 anos, e vestia jeans, camiseta de manga comprida e lenço na cabeça. Eu e o Beto estávamos ouvindo música no ipod e, de repente, a mulher jovem começa a chorar discretamente, e logo uma das mulheres mais velhas começou a consolá-la, a fazer carinho, a falar com ela, e logo todas as mulheres e os homens estavam consolando ela, em árabe. Nós não conseguíamos entender nada, mas nós estávamos ali preocupados com a mulher. Depois de uns minutos, uma das outras mulheres nos conta em inglês que aquela mulher perdeu um filho há 2 meses. Agora nós podíamos compreender o que ela estava sentindo, um pouco. Por sorte, a mulher falava inglês também, e ela nos contou a história: ela teve alguma doença curante a gravidez que fez com que o filho, ao nascer, tivesse problemas de coração, pulmão e cabeça. Ela e o filho ficaram 1 mês na UTI, separados, se recuperando, e ela sequer chegou a ver o filho. Ela estava sofrendo muito por ele ter morrido, mas também por se sentir culpada, pois ela acha que a doença dela deveria ter feito mal a ela, e não ao filho. 
Em um instante, num vagão com pessoas que sequer conhecíamos, que falam uma língua distante, têm uma religião que conhecemos pouco, nós vivemos uma conexão tão grande com essa mãe, que está passando por um luto diferente mas parecido com o que nós vivemos há 2 anos...
Nós contamos para ela da Sofia, e dissemos algumas coisas nas quais acreditamos. Ela ficou se sentindo melhor. E nós ficamos super emocionados. Este encontro foi muito marcante. 
Definitivamente, nossas melhores experiências até agora de proximidade e de laços com marroquinas têm se dado dentro de trens! E apesar da sauna, ou do atraso.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Roupas e Mulheres: ainda um mistério

Em Fez nós ficamos na cidade antiga, chamada de Medina, e nós estávamos constantemente dentro de um mercado tipicamente árabe, com muitas ofertas de artesanatos lindos, comidas, de tudo o que poderia ser vendido. Impressionante! Andar na rua era curioso. As mulheres vestem roupas muito variadas, e era comum ver uma mulher de vestido até os pés e cabeça coberta com véu andar de braços dados um uma outra mulher de cabelos soltos e roupa mais decotada, mas sempre de braços cobertos e as pernas também, até o tornozelo. Agora estamos em Casablanca e nas ruas o que mais se vê são mulheres cobertas das mais variadas formas e níveis. Mas em partes mais modernas da cidade nós podemos ver marroquinas vestidas de forma "mais ocidental que as ocidentais", como disse nosso entrevistado de hoje. Elas andam lindas, com cabelos soltos, maquiagem, roupas de moda internacional. 
Só que os homens por aqui acham que têm que ser muito persuasivos para conquistar uma mulher, ou mostrar virilidade, sei lá. Sei que mesmo que eu ande com os braços cobertos, as pernas também, de braços dados com o Beto e olhando para o chão, os homens fazem aqueles elogios tipo "pedreiro" no Brasil... muito chato. Nem dá vontade de passear muito a pé. A gente tem que abstrair um pouco. Mas hoje conhecemos duas mulheres de uma instituição que entrevistaremos, e estou curiosa para termos mais tempo livre com elas para saber como é ser mulher por estas bandas...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Com que roupa eu vou, pro samba que você me convidou?

Chegamos ontem no Marrocos – país incluído recentemente na viagem – e eu estava deveras preocupada com que roupa usar, se seria importante usar a roupa típica delas, usar véu. Logo no trem para Fez, sentamos na cabine com 2 mulheres e 2 homens. Uma delas usava roupa toda preta e um véu que deixava o rosto redondo e muito alegre à mostra. A outra vestia calça e paletó, bem ocidentais, e um lenço que só cobria o cabelo. Meu francês rendeu razoavelmente e quando perguntei sobre os motivos que levam as pessoas a usar o véu, ela disse que são religiosos, mas que ela, mesmo sendo muçulmana praticante, opta por não usar o véu da forma tradicional. Chegando em Fez, logo notamos que muitas mulheres não usam o véu, e várias vezes vemos amigas ou familiares juntas, sendo que uma usa e a outra não, com naturalidade. Parece que o Marrocos é bastante aberto com relação a isso. Ou seja, aqui a roupa “típica” não existe. O mais comum é as mulheres usarem uma túnica bem comprida, até o tornozelo, e cobrir os braços. As roupas são bem coloridas, em geral, e parecem confortáveis, mas quentes. Mas tem várias mulheres que não usam, e no guia Lonely Planet (como é essencial!) fala que se uma turista usa o véu, ou as roupas mais tradicionais, será abordada pelas pessoas daqui, curiosas para saber por que usa, se é muçulmana... As turistas todas estão usando roupas ocidentais, algumas até regatas. Ainda estou percebendo como me sinto mais à vontade sem constranger ninguém. Por enquanto estou usando calça e camiseta, sem decotes. E cabelo à mostra, à vontade.

Hospitalidade Marroquina

Antes de virmos para o Marrocos, compramos um guia Lonely Planet na Espanha, e temos lido bastante sobre a cultura, sobre os passeios e as cidades que vamos visitar no Marrocos. Uma dica que o guia dá é que no Marrocos não se come na frente dos outros – num trem, por exemplo – sem oferecer um pouco da comida. Ainda segundo o guia, os costumes mandam que a outra pessoa recuse e que você ofereça mais insistentemente, até que na 3ª oferta a pessoa aceita- ao menos um pouquinho, se não está muito interessada, para ser gentil, ou um pedaço. Logo no nosso primeiro dia no país, tomamos o trem para Fez, numa cabine com mais 4 pessoas. Logo que pensei em comer o sanduíche que eu tinha comprado na estação, eu cheguei a pensar se passaria fome se oferecesse para todos um pedaço, pois a viagem demoraria 5 horas. Quando resolvi comer, decidi oferecer para todos apesar do meu receio, e insisti, como recomendava o livro. Ninguém aceitou o sanduíche, que dividi só com o Beto, mas as duas mulheres só faltavam dar pulos de alegria! Diziam: “os brasileiros são como os Marroquinos, compartilham a comida!”, e nós ficamos mais felizes ainda! Apesar de não ser um costume tipicamente brasileiro o de dividir comida em lugares públicos com desconhecidos, é nosso costume o afeto caloroso e a hospitalidade, que aqui encontraram um eco com este simpático costume marroquino...  Depois disso, o trem quebrou e ficou umas 2 horas parado, tempo suficiente para comprarmos mais lanches no trem e todos oferecerem para todos, que agora aceitavam alegremente. E ninguém passou fome! Ponto para o Lonely Planet e pra hospitalidade no mundo!

Fronteira

Em Tarifa - cidade litorânea do sul da Espanha de onde saem balsas para o Marrocos-, tivemos momentos de reflexões sobre o que representa esta fronteira entre a Europa e a África árabe. Muitos árabes e africanos buscam emigrar para a Europa em busca de uma vida melhor, e Tarifa é uma possibilidade (nada fácil, com muitos militares prontos a evitar) a poucos quilômetros de Tanger, no Marrocos, que parece ser próxima demais. A Espanha até hoje tem cidades sob seu domínio na costa mediterrânea da África, como Ceuta. Muitos Bascos e Catalões querem independência da Espanha, questões sempre presentes. Por outro lado, Tarifa é um paraíso para os praticantes de kite-surf, e atrai esportistas do mundo inteiro e especialmente de toda a Europa, para praticar. É impressionante como Tarifa está no meio dos desejos de tanta gente!

Falando línguas

Uma coisa curiosa que me aconteceu foi que, depois de falar um pouco de inglês com um, um pouco de espanhol com outro, uma palavra de francês, minha mente começou a falar sozinha, como ela  sempre fala muito, só que nestas línguas, e frases soltas, desconexas, sem sentido prático nenhum. Parecia que ela estava treinando, aquecendo para quando tivesse que falar algo numa dessas línguas, mas eu pude perceber isso claramente, como ela fala sozinha sem parar!!! Pareciam também distrações, para não me deixar ficar sozinha totalmente. Foi interessante poder perceber a mente como algo que não sou eu. EU SOU muito mais e além da mente e é muito bom perceber isso. Viva!

Silêncio e amizade

O silêncio é de ouro! Às vezes, durante à noite no jantar ou no albergue, me dava uma vontade de estar no caminho, com o silêncio, com o meu ritmo, sozinha. Mas em outros, estava era querendo conversar com o Beto, estar junto, encontrar os amigos que fomos conhecendo: Peter e Margaret (da Austrália), Gabriele e Uta  (da Alemanha), a professora e sua amiga Veronika (da Alemanha), Raz e Martin ( de Israel e da Polônia, morando na Escócia), Mienke e Jocelyn (da África do Sul)... 

Aprendizados

Algumas lições que aprendemos com o caminho: qual é o mínimo, o essencial para cada um, a cada momento; aprendemos a deixar os amigos para trás, ou para a frente, torcendo para nos encontrarmos em uma próxima parada, algum dia; a andar apesar de: um pouco de dor nas pernas, de 1 bolha, do sol, da chuva, do sono. O nosso corpo ganha uma habilidade de se recuperar de um dia para o outro que é incrível! Aprendemos a dar muito mais valor ao andar com nossas próprias pernas, que é alo delicioso. Algo fica a 5 quilômetros? Vamos andando! Quando chega o fim, chega o fim. Hora de começar a pensar em outra coisa. Mesmo que o nosso fim, dessa vez, tenha sido depois de andar 162 km em 10 dias de caminhada.

Eunates

Este templo no meio do campo é todo especial: octogonal, possibilita que a comunidade sente em roda e seja a principal parte da comunhão espiritual. Que lugar encantado! Parece que ainda está sendo usado, e de fato está, pelos peregrinos que por ali passam e se embriagam com a leveza que paira por ali, a todos inspirando...

Caminho de Santiago de Compostela - amoroso

Encontramos pessoas muito amorosas. As pessoas estão muito abertas, prontas para ajudar aos outros, tanto entre os peregrinos, como os hospitaleiros. As pessoas das cidades também são muito afetuosas.

Bons ventos

Uma surpresa boa foi ver a grande quantidade de moinhos de vento gerando energia eólica. Impressionante! Qualquer montanha mais alta, e lá estão eles. Energia limpa. Alguém sabe se é eficiente? Se dá conta da necessidade de energia da Espanha?

Espanha Agrícola

Nunca imaginei que a Espanha fosse um país tão agrícola! Percorremos a pé 150 km do Caminho de Santiago, o caminho de Madri até o norte e depois de Madri até o sul de trem, e vimos um clima parecido com o cerrado brasileiro, muito seco, e muita plantação de oliveira e parreira. Na Navarra vimos também bastante trigo e outros grãos, que dançavam ao vento. E ninguém! As plantações não dão muito emprego, pelo menos na primavera...

O capítulo da mala

Como fazer uma mala para 10 meses? Esta é uma arte que estamos desenvolvendo. A idéia é que não vamos ter sempre a melhor roupa para cada ocasião, mas precisamos de ao menos 1 roupa mais formal para entrevistas com gerentes das instituições, 1 roupa média para as entrevistas em geral e roupas muito confortáveis e fáceis de lavar e secar para a caminhada, para o dia a dia, etc. Nós escolhemos malas de 55 Litros +10 Litros. Estou orgulhosa de mim mesma! Nos primeiros dias achei que ia faltar roupa, mas sempre se pode comprar uma peça a mais, e esta é uma das graças da coisa toda. Não adianta levar a roupa certa para a Índia, pois lá é o melhor lugar para descobrir e comprar a roupa certa... além de serem lindas e mais baratas por lá.

Preparação

A preparação para o Giro começou 6 meses antes, e se intensificou muito desde o começo de 2009. Reforma, vistos, passagens, milhas, dinheiro, emprestar a casa, comprar roupas e mochilas, organizar toda a vida... 

Nos últimos dias juntava-se à nossa animação e à correria dos últimos dias um sentimento intenso que percebemos:

Ninguém ficava indiferente quando falávamos da viagem. As reações e comentários eram sempre intensos, nada comparável a contar que faríamos uma viagem de férias, por exemplo. Alegria, entusiasmo, apreensão, tristeza, saudades, inveja boa, inveja ruim, vontade declarada de ir junto, apoio incondicional, apoio titubeante-oscilante, nós fomos percebendo todas estas emoções, que iam se somando às nossas. Imagine o tamanho da expectativa, da ansiedade, que buscávamos viver da forma mais calma possível, respirando, indo com calma.

Nossa viagem tem vários objetivos dentro dela:

Uns ligados ao Projeto Desenvolvimento Humano em Foco (veja mais em www.humaninfocus.org),

outros de auto-conhecimento, outros de desenvolver habilidades de meditação, corporais, além de fortalecer os laços do namoro, com novos horizontes, novos sabores, novos desafios. 

Entre outros que sabemos ou nem sabemos ainda!

Uma Volta ao Mundo

Este blog começa com a idéia de compartilhar com os queridos um pouco das impressões que este giro está trazendo. Uma volta ao mundo é o nome da passagem que compramos (eu e o Beto) para esta jornada de 10 meses, e um giro de 360 graus, para depois chegar no lugar de onde partimos, mas que já não será mais o mesmo, nem nós seremos mais os mesmos. A nossa casa está em reforma, e nós também, a cada dia! Fica aqui o convite para trocar idéias.