terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sokyrianyi – Ucrânia

Estamos hospedados em uma cidade turística no sul da Ucrânia, chamada Kamianets’ Podil’s’kyi. A cidade é uma graça, mas o motivo da nossa vinda até aqui é conhecer Sokyrianyi, cidade já na fronteira com a Moldávia, região antes chamada de Bessarábia, onde algumas pessoas da minha família nasceram, viveram e morreram.

  • · Aqui nasceu Frida Fainbaum em 1902, mãe de minha avó Rivinha. Ela tinha 3 irmãos mais novos e sua mãe morreu cedo. Assim, o pai deixou ela, com aproximadamente 10 ou 12 anos - e os irmãos com uma parenta em Brichany - cidade próxima mas já na atual Moldávia – enquanto foi ver como era o Brasil para então levar sua família. Em 1915 (aproximadamente), foram para o Brasil, onde a Frida casou com o Favich e passou a chamar-se Frida Malay.
  • · Menicha Berezovski, mãe da Clara minha Bisavó, faleceu em Sokyrianyi em 1904, pouco depois de ter dado a luz à Clara, em Vyzhnitsia, ou em Vinnitsia, não sabemos bem.
  • · A minha Bisavó Clara Berezovski nasceu em 22/04/1904 em Vyzhnitsia, cidade a aproximadamente 300 km de Sokyrianyi, e viveu em Sokyrianyi até aproximadamente 1919, depois da primeira guerra, quando foi para o Brasil. Ela se casou com o Moisés, que nasceu em Raspopem, perto de Kishinev, na Moldávia, passando a se chamar Clara Rechulski.

Eu e o Beto fomos para Sokyrianyi com um taxista e um tradutor que falava inglês, além de russo e ucraniano. A viagem foi uma visita ao passado. Hoje Sokyrianyi tem aproximadamente 10.000 habitantes e nós viramos atração, com nossa busca por informação. Hoje não há mais judeus vivendo por lá. Muitos saíram depois da primeira guerra para Israel, França, Brasil, Alemanha, entre outros. Muito foram perseguidos na 2ª guerra e dos que sobreviveram, a maioria foi para Israel após a segunda Guerra. Alguns poucos ainda viveram aqui até décadas posteriores.

Fomos visitar o cemitério israelita, e encontramos um cemitério abandonado. Por sorte nosso tradutor encontrou o senhor que toma conta de alguns túmulos de pessoas que lhe confiaram o serviço. Ele toma conta do “cemitério novo”, uma parte do cemitério em que as pessoas enterradas faleceram mais recentemente, depois de 1960. As lápides desta parte são todas escritas em russo, e algumas poucas têm também algumas palavras em hebraico. A parte do “cemitério antigo” tem muitos arbustos crescendo, mato, algumas flores silvestres, a natureza é quem está tomando conta. As lápides estão em Hebraico. Algumas lápides estão quebradas e muitas conseguimos chegar perto de tão fechada que está a “floresta”. A imagem foi bastante desoladora.

Depois eu e o Beto ficamos refletindo sobre este abandono e lembramos que as pessoas que saíram da região não podiam voltar durante o regime soviético. Ninguém podia vir de fora visitar parentes. E depois da perseguição da 2ª guerra e do regime soviético, as pessoas ainda vivas talvez nem tenham idade para voltar para esta cidadezinha. Dessa forma, a parte antiga do cemitério está abandonada há pelo menos uns 60 anos. Eu tentei ler as lápides para ver se encontrava a minha Tataravó Menicha, ou alguém Berezovski, com o meu parco conhecimento de hebraico, mas não achei nada.

Buscamos então o arquivo da cidade, para tentar levantar alguma informação sobre Frida Fainbaum, Menicha Berezovski ou ainda Schwarcz, da da família da Eva Ocougne, mas ninguém sabia de nada. O que nos disseram é que em 1944, durante a 2ª guerra, houve um incêndio, que queimou os arquivos anteriores a esta data.

Uma coisa que descobrimos é que há uma pessoa nascida em 1928 em Sokyrianyi, chamado Michail Stivelman, - que foi morar na França em 1946 e depois no Rio de Janeiro, no Brasil, que estava escrevendo a história dos judeus de Secureni, ou Sokyrianyi. Ele até propôs que se fizesse um monumento aos judeus mortos no holocausto, próximo ao monumento dos soldados que morreram na guerra. Parece que este monumento ainda está para ser construído. Seria interessante sabermos se o Michail ainda mora no Brasil, e o que ele tem de informação. Também seria interessante eventualmente procurar outros judeus pelo mundo que saíram de Sokyrianyi para ajudar a preservar o cemitério e a memória.

De qualquer forma, a vida dos judeus nesta região no último século não foi fácil, e ficou muito claro para mim que meus Bisavós e meus Avôs fizeram uma ótima escolha decidindo ir para o Brasil, onde suas famílias puderam prosperar e viver num ambiente mais aberto para a prática de diversas religiões.

5 comentários:

  1. Marina querida,
    estou aqui no curso de moderação e parei um tempo tudo para ler seu blog. E estou chorando, chorando muito, sem saber direito por que. mas seu relato sobre família, sobre passado, sobre as coisas que são deixadas, esquecidas, reencontradas simplesmente mexeu comigo. Talvez porque eu também tenha raízes por essas terras, na romenia, raizes que se perderam no tempo, na história e no esquecimento. e raizes que nao voltarão porque se perderam e foram cortadas.
    que bonito ver voce tentar reconstruir essas suas raizes.
    um beijo grande com saudades.

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  2. Gabi, fofa! De fato, esta história é triste. Mas estou feliz por estarmos vivos, pela família ter percebido a tempo que era hora de mudar de cidade, de país, de continente, e levou suas tradições, seu carinho, toda sua família, para o Brasil. E ali nós nos encontramos. Você vinda de uma família que tem origens na Romênia, eu na Ucrânia e Hungria, o Beto de outros lugares, o Otávio de outros...
    E podemos ser amigos. Esta é a parte alegre disso tudo.
    Saudades! O curso de moderação é muuuuito bom, não?
    Aproveite! Você está no 1o ou 2o módulo? Os dois são diferentes e maravilhosos, cada um ao seu jeito.
    Beijos,

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  3. Má, esse seu relato me lembrou demais as histórias do Sebald (meu querido autor). Estou aqui emocionada, na madrugada em Gurgaon, após ler tanto sobre memória, história, literatura... e agora topei com essa sua narrativa bela e afetuosa, apesar da tristeza que a memória também traz. Espero que façam um ótimo caminho de volta e que uma luz forte ilumine a retomada da vida paulistana. Foi um prazer enorme dividir esses dias com vocês. Beijo grande, Julia.

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  4. Ju, o prazer foi nosso! Valeu pela generosidade que não mede esforços!
    Pois é, as pessoas que vieram antes de nós nos influenciam, de muitas maneiras, que às vezes nem nos damos conta. Lembro muito da minha bisavó Clara, mas não sei nada dos pais dela. No entanto, a gente herda muito mais do que genes. Herda costumes, hábitos, tradições, nomes - eu tenho no meu nome judaico o nome de uma bisavó e um bisavô. Herdamos memórias ou não de um passado, que nos constrói, às vezes desconstrói.
    Beijos!

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  5. Marina Farkas Bitelman23 de fevereiro de 2010 às 16:18

    Gostaria de adicionar uma informação: achamos a cidade de Sokyryani num mapa ucraniano, pois é uma cidade pequena e pouco conhecida. Ela fica a uns 20km da fronteira com a Moldavia. Foi curioso chegar nesta cidade assim, achando pelo mapa. Lá os nomes se parecem e se confundem, nas versões de russo, ucraniano, moldavo, iídiche (como minhas avós se lembram) e devem ter tido seus nomes trocados algumas vezes, com as mudanças de impérios, de países, de língua.

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